Dia 19 desse mês, fez um ano que eu publiquei meu primeiro conto, Quarto minguante lá no Wattpad, vieram outros depois desse, nenhum aqui no Luft. Mas hoje nessa manhã de domingo será o dia em que tudo mudará! SIM, TEMOS CONTO NOVO E INÉDITO!!!
Para um blog de nome sem tradução, um conto de título também sem tradução: Hygge. Lê-se "hoo-ga", é uma palavra do dinamarquês, segundo o dicionário do bem, que significa entre outras coisas, "ter prazer na presença de coisas leves e suaves, paz". E pareceu o único título possível para minha história que no final é só sobre a paz e o prazer nas coisas simples e pequenas de uma manhã de domingo tranquila. Espero que vocês também se sinta em paz lendo!
Sem mais delongas...
Os raios de
sol fazem um caminho da janela até a mesa de madeira, refletindo no vidro da
tigela com uma dúzia de laranjas, ainda em processo de amadurecimento, que
mamãe comprou ontem na feira. O centro de mesa com crochê embaixo da tigela
está amarrotado — eu o estico. Encho um copo com água da torneira e sento na
ponta da mesa para não interromper o caminho da luz.
Ouço o
vizinho falar com seu cachorro; são 07:56 da manhã, eles devem estar prestes a
sair para correr. Bebo a água enquanto acompanho com os dedos os bordados de
rosas amarelas e folhagens verdes no centro de mesa. Consigo ouvir o vizinho e
o cachorro descerem as escadas e fico na espera da batida alta do portão de
ferro ao ser fechado.
Completo a
água no copo mais uma vez e abro a janela para regar o cacto e as suculentas no
peitoril. Tomo cuidado para não colocar água demais nos três pequenos vasos
coloridos. Amarelo para Órion, o cacto, rosa para Alnitaka e roxo para Mintaka.
Alnilan, a terceira das suculentas e a segunda das Marias na constelação,
morreu há dois meses; seu vaso era turquesa. Agora ele fica escondido na área
de serviço, retirado de sua função.
Quando acabo,
deixo a janela aberta e a brisa fria faz com que os pelos dos meus braços se
arrepiem. Vou atrás de algo para esquentar e encontro o cardigã verde escuro de
mamãe esquecido sobre o sofá. Ele sempre parece mais macio e quente do que
qualquer um dos meus. O tecido pesado faz um contraste engraçado com minhas
calças e a blusa fina do meu pijama listrado ao colocá-lo. Com a pouca luz na
sala a essa hora, os sofás parecem especialmente convidativos, mas meu estômago
ronca e tenho de voltar para cozinha. Assim que ligo o fogo para fazer
chocolate quente ouço a porta do quarto se abrindo e mamãe caminhando até o
banheiro. Ela conversa animada com nossa gata, Geórgia, sua voz ecoa pelo
corredor.
Mamãe entra
na cozinha alguns minutos depois, de moletom azul marinho combinando e cabelos
presos. Ela beija minha testa ao me dar bom dia, Geórgia vem logo atrás dela e
se esfrega em minhas pernas; eu acaricio o pelo malhado do lado do seu corpo
com o pé, tomando cuidado para não me desequilibrar e nem parar de mexer o
leite. Mas não consigo manter o equilíbrio por muito tempo e desisto.
— O que você
está fazendo, filha?
— Chocolate
quente — digo e ela emite um som de satisfação.
— O que acha
de biscoitos para acompanhar? E talvez pão de queijo? — Ergue as sobrancelhas
para mim. Eu sorrio. Mesmo que pão com manteiga tenha todo o charme do mundo,
eu não reclamo de variar um pouquinho. E hoje é domingo, isso pede refeições
diferentes.
Mamãe diz que
volta em um minuto e sai pela porta em busca da nossa comida, e Geórgia se
cansa dos meus pés e sobe em uma das cadeiras da cozinha. Toda a companhia que
tenho. Isso me deixa em paz. Quando mamãe volta, os chocolates quentes já não
estão mais tão quentes, estão do jeito que gostamos — mas que ela nunca
consegue esperar ficar quando está por perto e sempre acaba com a língua
queimada. Ela coloca o saco de biscoitos em cima da mesa e prova do seu
chocolate. Diz que está delicioso e me agradece por tê-la esperado. Balanço a cabeça
como se não fosse nada.
O pão de
queijo tinha acabado, segundo mamãe, a próxima fornada ainda iria demorar uns
dez minutos para sair, a padaria estava movimentada e ela achou melhor não
esperar. Mas eu não me importo, ter biscoitos no café da manhã sempre me faz
acreditar que aquele será um bom dia. A massa crocante por fora e macia por
dentro, ainda quente, o gosto salgado que fica em minha boca, e que vai embora
depois com o chocolate quente, eu adoro cada detalhe. Mamãe molha seus biscoitos
na caneca de leite antes de comê-los — houve uma época em que achava isso um
tanto nojento, mas hoje não. Acabamos devorando o saco todo de biscoitos, como
duas crianças, enquanto conversamos.
Mamãe fala de
um vestido que viu na vitrine da sua loja preferida — caro demais, vamos
esperar por uma liquidação. Falo sobre o próximo lançamento daquela poeta que
gostamos — não me lembro mais a data, mas mamãe acha que é em novembro. Pergunto
sobre a viagem que vovó fará para o nordeste — daqui a um mês, ela ficará cinco
dias fora e quer comprar um óculos de sol novo. Ela pergunta se sairei com meu
pai à tarde — esse final de semana não combinamos nada—, ou com Juliana —
também não combinamos nada. Eu pergunto sobre o homem que ela saiu na sexta —
ela não respondeu a mensagem que ele mandou ontem. Ela pergunta se eu achei
alguém naquele aplicativo — É Tinder, mãe, e não, eu desinstalei.
Nos
atualizamos da vida uma da outra. Não há pressa, nem barulheira. Ninguém
precisa chegar ao serviço em 20 minutos ou conseguir estar em dois lugares ao
mesmo tempo ou revisar uma matéria para entregar até o almoço. Domingos são
sagrados para ficar em paz. Não ouvimos músicas, nem no rádio, nem em nenhum
aplicativo de streaming. A música errada pode simplesmente cortar o silêncio da
forma incorreta e quebrar a atmosfera. O mais perto de música que chegamos é
quando mamãe, e algumas vezes eu, cantarolamos enquanto lavamos a louça ou
preparamos algo para o almoço. E não lemos notícias.
Simplesmente
nos desligamos de tudo, e nos concentramos na nossa paz aqui, nesse tempo e
espaço, em casa uma com a outra. Manhãs de domingos são sagradas para descanso.
***
Obrigada a Gih, a tati e a Dani que ajudaram a melhorar e deixar Hygge como está agora. Vocês são ótimas ♥
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Tchauzinho!
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